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Operários brasileiros disseram ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom |
O Ministério Público do Trabalho (MPT) denunciou o grupo empresarial
Odebrecht por, segundo o órgão, manter 500 trabalhadores brasileiros em
condições análogas à escravidão na construção de uma usina em Angola.
De acordo com a ação, iniciada após uma reportagem da BBC Brasil revelar
denúncias de maus tratos na obra, a construtora teria praticado ainda tráfico
de pessoas no transporte de operários até a usina Biocom, na província de
Malanje.
A Odebrecht disse à BBC Brasil que só se pronunciaria sobre o caso após ser
notificada judicialmente. Normalmente, a notificação judicial ocorre alguns
dias úteis após o Ministério Público protocolar a ação. Mas, com as
interrupções de serviços públicos ocorridas por conta dos jogos da Copa do
Mundo, esse prazo pode vir a ser ampliado.
A denúncia, entregue na sexta-feira à Justiça do Trabalho de Araraquara (SP) pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, pede que a Odebrecht pague uma indenização de R$ 500 milhões por danos coletivos aos trabalhadores. O procurador notificou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para que dirigentes da empresa e de suas subcontratadas respondam criminalmente.
A denúncia, entregue na sexta-feira à Justiça do Trabalho de Araraquara (SP) pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, pede que a Odebrecht pague uma indenização de R$ 500 milhões por danos coletivos aos trabalhadores. O procurador notificou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para que dirigentes da empresa e de suas subcontratadas respondam criminalmente.
Três empresas do grupo Odebrecht são rés na ação, que tem 178 páginas e
envolveu extensa investigação: a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a Olex
Importação e Exportação e a Odebrecht Agroindustrial (antiga ETH Bioenergia).
Passaportes
retidos
Em dezembro de 2013, a BBC Brasil publicou uma reportagem em que operários
diziam ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom, entre
2011 e 2012. Dezenas de fotos e vídeos cedidos à reportagem mostravam o que
seriam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório usados pelos
trabalhadores.
Os trabalhadores afirmaram ainda que funcionários que trabalhavam na
segurança da empresa impediam que eles deixassem o alojamento e que tinham seus
passaportes retidos por superiores após o desembarque em Angola. De acordo com
os operários, muitos adoeciam – alguns gravemente – em consequência das más
condições, e pediam para voltar ao Brasil. Alguns dizem ter esperado semanas
até conseguir embarcar.
Segundo a ação do Ministério Público do Trabalho, braço do Ministério
Público da União, "os trabalhadores, centenas deles, foram submetidos a
condições degradantes de trabalho, incompatíveis com a dignidade humana, e
tiveram sua liberdade cerceada, sendo podados em seu direito de ir e vir".
Os funcionários, diz a denúncia, "foram tratados como escravos
modernos, com o agravante de tal violência ter sido cometida enquanto se
encontravam isolados em país estrangeiro distante, sem qualquer capacidade de
resistência".
Após voltar ao Brasil, dezenas de operários entraram na Justiça contra a
Odebrecht e suas subcontratadas na obra. A Justiça tem reconhecido que eles
foram submetidos a condições degradantes e ordenado que sejam indenizados.
O MPT diz que, embora os trabalhadores não fossem empregados da
Odebrecht, mas de empresas subcontratadas pela construtora – entre as quais a
Planusi, a W Líder e a Pirâmide –, a responsabilidade pelas condições na obra
era inteiramente da Odebrecht, conforme definido nos contratos entre as
companhias.
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Segundo trabalhadores, este seria o poço de onde água servida a operários era retirada |
Tráfico de
pessoas
A denúncia lista uma série de ilegalidades que, segundo o MPT, teriam
sido cometidas pela Odebrecht no envio dos trabalhadores a Angola. De acordo
com o órgão, as empresas subordinadas à companhia recorreram a agenciadores
ilegais ("gatos") para recrutar operários em diferentes regiões do
país, especialmente no Nordeste. A prática, diz a denúncia, constitui crime de
aliciamento.
Após o recrutamento, segundo a denúncia, ocorria outra irregularidade:
em vez de solicitar à embaixada de Angola vistos de trabalho aos operários, a
Odebrecht pedia vistos ordinários, que não dão o direito de trabalhar.
Para obter os vistos, segundo o MPT, a Odebrecht
"desavergonhadamente mentiu à embaixada de Angola", dizendo que os
operários viajariam ao país para "tratar de negócios" e permaneceriam
ali menos de 30 dias (limite de estadia do visto ordinário). No entanto, diz a
Procuradoria, as passagens aéreas compradas pela Odebrecht previam a volta dos
trabalhadores em prazos bem superiores a 30 dias.
Segundo o MPT, a empresa recorreu ao esquema para "contar com
trabalhadores precários e inteiramente submetidos a seu jugo, incapazes de
reagir ou de reclamar das condições suportadas, impossibilitados de procurar
outro emprego, e que sequer pudessem sair do canteiro de obras".A prática, segundo o MPT, sujeitou os trabalhadores a graves riscos em
Angola, inclusive o de prisão, e violou tratados internacionais contra o
tráfico humano.
Ratificado pelo Brasil em 2004, o Protocolo de Palermo engloba, entre as
definições para a atividade de tráfico, o recrutamento e transporte de pessoas
mediante fraude ou engano para fins de exploração em "práticas similares à
escravatura".
Dinheiro
público
Segundo a investigação do MPT, contratos celebrados entre a Odebrecht e
suas subordinadas na obra mencionam que haveria empréstimos do BNDES (Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) à construção. O BNDES, porém,
disse à BBC Brasil que jamais financiou a obra.
Em junho de 2012, o Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior
decretou sigilo sobre todas as operações de crédito do BNDES a Angola e Cuba.
Entre 2006 e 2012, quando os dados ainda eram públicos, o BNDES destinou
US$ 3,2 bilhões (R$ 7,2 bilhões) a obras de empresas brasileiras em Angola. A
Odebrecht, maior construtora brasileira e maior empregadora privada de Angola,
onde opera desde 1984, abocanhou a metade desses financiamentos.
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Denúncia aponta que funcionários foram tratados como "escravos modernos". Na foto, o que seriam banheiros |
'Círculo
íntimo'
Primeira indústria de açúcar, eletricidade e etanol de Angola, a Biocom
é uma sociedade entre a Odebrecht, a estatal angolana Sonangol e a empresa
Cochan. Segundo o jornal português Público, o dono da Cochan é o
general angolano Leopoldino Fragoso do Nascimento, um dos homens mais próximos
do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.
Embora a Biocom tenha sócios angolanos, o MPT diz que, desde 2012, a
Odebrecht tornou-se sócia majoritária da usina e "passou a administrá-la
como dona". Segundo o órgão, ao se associar à Cochan, a Odebrecht buscou
contemplar o "círculo íntimo" do presidente angolano no
empreendimento e mascarar que a usina, anunciada à população local como
angolana, é na verdade brasileira.
Como punição pelos atos, a Procuradoria pede que a Odebrecht seja multada
caso mantenha práticas ilícitas, indenize os trabalhadores afetados em R$ 500
milhões e deixe de receber empréstimos de bancos públicos. A ação pede ainda
que a companhia pague multa no valor de 0,1% a 20% do seu faturamento anual.
Segundo o MPT, o caso requer "uma punição absolutamente
exemplar", para que a companhia não se sinta encorajada "a
repetir as mesmas condutas no futuro".
Fonte: BBC
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